segunda-feira, 24 de maio de 2010

MON ENFANCE




As dez canções do 11º álbum de Jacques Brel ("Brel 67"), gravadas em quatro sessões, entre 30 de dezembro de 1966 e 18 de janeiro de 1967, incluem esta pérola da canção francesa – MON ENFANCE.
Poucos meses antes de escrever "A Minha infância", Brel confidenciou ao microfone de uma rádio belga: "Não me arrependo nada do meu tempo de infância porque eu acho que é uma coisa que só se suporta uma vez. E eu acho que ela foi muito longa. E às vezes se falo nisso, por exemplo numa canção, não é com pesar ... ".
Marc Robine é definitivo: "É uma das canções essenciais do Grand Jacques. Uma das mais autobiográficas, uma das mais belas, mais fortes, mais sensíveis, mais conseguidas e, provavelmente, uma das maiores canções francesas que se fizeram”.

A MINHA INFÂNCIA (1967)

A minha infância passou-se entre cinzentos e silêncios, entre falsas mesuras e falta de querelas...
No inverno ficava no ventre daquela grande casa que tinha lançado âncora a Norte, por entre os juncos...
De verão, em tronco nu, mas sempre recatado, brincava aos índios, mas com a certeza que os meus tios abastados me tinham roubado o Far West...

A minha infância passou... As mulheres na cozinha - onde eu sonhava com a China - envelheciam nos cozinhados... Os homens, à volta do queijo, envolviam-se de tabaco. Flamengos, soturnos e prudentes, e que não me conheciam. Eu, que todas as noites, ajoelhado para nada, harpejava a minha tristeza aos pés da grande cama... Queria apanhar um comboio que nunca cheguei a apanhar..

A minha infância passou-se de criada em criada... Já me surpreendia que elas não fossem plantas. Surpreendiam-me ainda todas aquelas rodas de família...Todos vestidos de luto, divagando de morto em morto... Espantava-me sobretudo de pertencer a esse rebanho que me ensinou a chorar e que eu conhecia bem demais... Eu que tinha o olho do pastor, mas o coração do cordeiro...

A minha infância explodiu !!! Chegou a adolescência e o muro do silêncio uma manhã ruiu... Foi a primeira flor e a primeira rapariga, a primeira ternura e o primeiro medo... Eu voei, eu juro que voei... O meu coração abriu os braços e eu já não era labrego...
Depois, a guerra chegou...
E aqui estamos hoje...


2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Esta é umas das minhas canções favoritas de sempre, no entanto existem nesta tradução algumas expressões que, na minha concepção pessoal, interpreto de forma diferenciada. Deixo aqui algumas propostas com o intuito de enriquecimento e não de crítica.

    1- "Les femmes aux cuisines / Où je rêvais de Chine" (situação ingrata para qualquer tradutor). Nos textos que pesquisei, "Chine" aparece com um "C" maiúsculo, o que me leva a concluir que se trata efectivamente do país. No entanto "chine" pode ter outros significados, tais como "porcelana" ou "serviço de mesa". Parece-me que, no contexto, existirá aí uma alusão aos apetrechos da cozinha. Caso "Chine" esteja no original, com "C" maiúsculo, não poderá aí existir um trocadilho entre o país (distante e exótico) e o serviço de mesa (presente e concreto), que na tradução em português se torna impossível?
    2- "elles ne fussent point plantes" - parece-me que neste caso o nome "plante" poderá ter sido usado não no sentido literal da palavra, mas como o seu sinónimo: "mulher jovem" ou "mulher bonita".
    3- (esta é uma visão pessoal da qual não tenho certezas, mas apenas um desejo que assim seja) "Que mes oncles repus" - "repus" é a conjugação do verbo "repaître" que tem o significado de "saciar", "alimentar". Não poderá aqui haver (de novo no contexto) uma possível interpretação para "acomodado" ou "satisfeitos com a vida"? (saciados da vida em vez de saciados de dinheiro?)

    Espero que não me interprete mal por estes pontos de vista que aqui deixo publicamente. De qualquer forma, gostaria de deixar os meus parabéns e agradecimentos por este blog que recentemente descobri.
    Um bem haja.

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