AMSTERDAM , talvez a canção mais famosa de Jacques Brel, depois de Ne me quittes pas, foi gravada uma única vez em 1954, numa noite de Outubro. No Olympia de Paris. E porquê? Porque ele não gostava da canção.
Anos mais tarde o seu amigo e orquestrador François Rauber explicou as razões que levavam Brel a não gostar da canção. Especialmente não lhe agradava a tautologia dos primeiros versos da primeira estrofe “Dans le port d’Amsterdam y a des marins qui chantent, les rêves qui les hantent, au large d’Amsterdam” ou então o exagero “et ils pissent comme je pleure, sur les femmes infidèles”. Também a forma da canção, em quatro estrofes sem refrão, que lhe parecia um pouco primária.
Por outro lado, AMSTERDAM estava marcada por uma espécie de pecado original que é ter sido uma canção sem a menor importância. Brel decidiu então que no seu regresso ao Olympia ela seria a canção de abertura do concerto. Quem está dentro deste mundo do espectáculo sabe que a canção de abertura é uma canção sacrificada: O técnico de som aproveita para acertar os volumes, os músicos aproveitam para “se fazer ao instrumento” e sobretudo o público VÊ mais do que OUVE o cantor, na primeira canção. “Desta maneira, vai passar despercebida” terá dito Brel.
Contrariamente aos outros artistas da época, que reservavam as suas novas canções para estrear em Paris, Brel lança as suas não importa onde, não importa quando, desde que estejam prontas. Como dava mais de 200 concertos por ano, com direito apenas a algumas semanas de férias, era em digressãoque ele escrevia, ou no camarim ou no quarto do hotel. Nos ensaios, antes dum especáculo, aproveitava para compor a música. No palco com o seu pianista Gérard Jouannest ou às vezes com o acordeonista Jean Corti , ele dizia “toca-me aí uma marcha... toca-me aí um tango canalha...” e ele cantava o que tinha nuns rascunhos, às vezes apenas umas linhas. Quando saía uma pequena linha melódica dizia “já está, isto está a desabrochar”. Começavam então a trabalhar a canção. No ensaio do espectáculo seguinte recomeçavam. Brel escrevia mais estrofes. Apurava-se a melodia. Reescreviam-se outras estrofes e um dia quando ele achava que estava tudo pronto, dizia “Pessoal, esta já está. Esta noite vamos lançá-la”.
AMSTERDAM foi composta desta maneira e ficou pronta imediatamente antes do espectáculo do Olympia. Nunca foi feita uma gravação em estúdio.
(Adaptação de um texto da autoria de Compagnie Brel Trente ans déjà)
Amesterdão (1964)
No Porto de Amesterdão há marinheiros que cantam os sonhos que os atormentam ao largo de Amesterdão, há marinheiros que dormem como estandartes ao longo de muralhas sombrias. No Porto de Amesterdão há marinheiros que morrem às primeiras luzes do dia, cheios de cerveja e de dramas, e há marinheiros que nascem no calor espesso dos langores do oceano.
No Porto de Amesterdão há marinheiros que comem caldeiradas de peixe, sobre toalhas muito brancas. Exibem dentes prontos a despedaçar fortunas, capazes de abocanhar a lua e estraçalhar enxárcias. E sente-se o cheiro a bacalhau até dentro das batatas fritas que as suas mãos grandes não se cansam de pedir. Depois levantam-se, rindo numa grande algazarra, apertam as braguilhas e saem arrotando...
No Porto de Amesterdão há marinheiros que dançam esfregando a pança na pança das mulheres. E giram, e dançam, como sóis escarrados ao som dilacerado de um acordeão rançoso, e torcem o pescoço para melhor se ouvirem rir, até que de repente o acordeão se cala, e então, com um gesto grave e com um olhar altivo, eles invocam os seus antepassados, já em plena luz do dia...
No Porto de Amesterdão há marinheiros que bebem, e que bebem, e tornam a beber, e que bebem mais uma vez. Bebem à saúde das putas de Amesterdão, de Hamburgo, e doutros portos, por esse mundo... Enfim, bebem à saúde das mulheres que lhes oferecem os seus corpos lindos, que lhes oferecem a sua virtude por uma moeda de ouro. E quando estão bem bebidos, empinam o nariz, assoam-se nas estrelas, e mijam, como eu choro, sobre as mulheres infiéis. No Porto de Amesterdão...
sábado, 13 de fevereiro de 2010
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Definitivamente uma das minhas preferidas dele, e uma das primeiras que eu tentei traduzir.
ResponderEliminarNunca tinha de facto pensado no assunto, estranhamente porque eu até costumo não gostar de exageros dramáticos, mas realmente o "eles mijam como eu choro" é bastante exagerado.
Ou seria, se fosse cantado por qualquer outra pessoa, em qualquer outra canção.
O Brel consegue fazê-lo funcionar. Está de acordo com a progressão crescente e desesperada da canção e, rodeado de outras imagens igualmente visuais, faz sentido onde está.