quinta-feira, 8 de julho de 2010

SUR LA PLACE



Esta canção teve três versões. Em 1953, em Bruxelas, depois em 1954 com arranjos de André Gassi e finalmente em 1961 com a orquestra de François Rauber. Sur la place foi editada num EP (45 rpm) e precedeu uma digressão de Verão organizada por Canetti.
No cartaz desta digressão o nome de Brel figurava depois dos nomes de Sidney Bechet, Philippe Clay et Dario Moreno que, 14 anos depois seria o Sancho Pança em Bruxelas, ao lado de um Brel-Don Quixote que já não combatia os moinhos do anonimato.
Quando questionavam Brel sobre os seus textos, se eram poesia ou simples versos cantáveis, ele dizia que não era poeta. Era um artesão de palavras. Ele estava constantemente a inventar-se nos velhos solitários, no moribundo, no tipo que dizia Ne me quitte pas, no bêbado que se chamava Jef. Era como se Brel tivesse uma ilha e lá fizesse crescer as plantas, os pássaros, os homens… Ou a rapariga que dançava no largo num dia de muito calor. Sur la place, conta a história dessa rapariga.

No largo (1953)

No largo aquecido pelo sol uma rapariga pôs-se a dançar... Rodopia, parecendo a bailarina duma antiga caixa de música... Na cidade faz um calor tórrido. Homens e mulheres, estão acaçapados e observam pelas vidraças esta rapariga que dança ao meio-dia...
Há certos dias que parecem uma labareda nos nossos olhos...
À igreja onde eu ia, recorria-se ao bom Deus, os apaixonados recorrem ao amor, o mendigo apela à caridade, o dia apela ao sol e o homem de bem apela à bondade...

No largo quente, de atmosfera vibrante, onde nem sequer aparece um cão, ondulante como um junco, a rapariga saltita, e vai e vem. Nem guitarra, nem tamborim, para acompanhar a sua dança... É batendo as palmas que ela marca o compasso...

No largo, onde tudo está tranquilo, a rapariga pôs-se a cantar, e o seu canto paira sobre a cidade como um hino de amor e de bondade... Mas, sobre a cidade faz muito calor, e para não ouvir a canção os homens fecham as janelas, como uma porta que se fecha entre os mortos e os vivos...

Assim, certos dias parecem um labareda nos nossos corações…
Mas nós nunca deixamos brilhar a sua luz...
Nós tapamos as orelhas e cobrimos os olhos...
Não gostamos de acordar o nosso coração já velho...

No largo um cão uiva ainda, porque a rapariga já se foi embora… E, como um cão uivando à morte, lastimam os homens o seu destino...


1 comentário:

  1. Sergio...
    Adorei...Sur La Place...
    sigo...admirando o talento de Brel...

    "...Quem nos deu asas para andar de rastos?
    Quem nos deu olhos para ver os astros
    Sem nos dar braços para os alcançar?!..."
    Lindo né...é Florbela Espanca...
    Que flutua no meu blog...
    E espera por você...
    Beijos...
    Leca...

    ResponderEliminar