sábado, 17 de abril de 2010

LE DERNIER REPAS



Profissionalismo. Sinceridade. Ausência de tempos mortos durante o espectáculo. Ausência de truques visuais parar distrair o público. Ausência de cenários ou jogos de luzes. Brel está no palco como um boxeur que quer ganhar o combate. Brel canta com o corpo e com o coração. Canta com os gestos e com os olhares. Com Brel pode-se dizer que a canção palpita e transpira no palco. Ele é o marinheiro de Amesterdão, o recruta em campanha ou o homem que espera a sua morte. Caso da canção Le dernier repas...

A última refeição (1964)

Na minha última refeição quero ver os meus irmãos e os meus cães e os meus gatos e a beira-mar...
Na minha última refeição quero ver os meus vizinhos, e até alguns chineses à laia de primos...
E quero que se beba, além do vinho da missa, daquele vinho tão bom que bebemos em Arbois...
E quero que se coma, depois dos padrecos, um faisão vindo de Périgord...
Depois quero que me levem ao alto da minha colina para ver as árvores dormir enquanto fecham os braços, e depois, quero ainda lançar pedras ao céu, gritando DEUS ESTÁ MORTO uma última vez.

Na minha última refeição quero ver o meu jerico, as minhas galinhas e os meus gansos, as minhas vacas e as minhas mulheres...
Na minha última refeição quero ver essas galdérias de quem eu já fui mestre e rei, ou que foram minhas amantes quando eu tinha na barriga o que dava para afogar a terra...
Partirei o meu copo para que se faça silêncio, e cantarei bem alto à morte que avança as cantilenas ordinárias que amedrontam as noviças...
Depois quero que me levem ao alto da minha colina para ver a tarde que caminha lentamente pela planície, e lá, de pé, ainda insultarei os burgueses, sem receios nem remorsos uma vez mais.

Depois da minha última refeição quero que se retirem, que acabem a pândega debaixo do meu tecto...
Depois da minha última refeição quero que me instalem, sentado, só, como um rei recebendo as suas Vestais... No meu cachimbo queimarei as minhas recordações de infância, os meus sonhos inacabados e os meus restos de esperança...
E apenas guardarei, para vestir a minha alma, nada mais que uma ideia de roseira e um nome de mulher... Depois, contemplarei do alto da minha colina que dança se adivinha e acaba por soçobrar...
E no odor das flores que em breve se extinguirá, eu sei que terei medo...
Uma última vez...


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