domingo, 20 de setembro de 2009

LA CHANSON DE JACKY

A CANÇÃO DE JACKY
No palco, Brel canta, gesticula, transpira, muda de feição e de postura, conforme os textos vão exigindo… No intervalo das canções vai perto do piano e limpa o suor a um grande lenço. Um médico pesou Jacques Brel durante várias noites seguidas, antes e depois dos espectáculos, e chegou a registar diferenças de 800 gramas. O texto que hoje publico La chanson de Jacky, é um exemplo do que melhor Brel fazia em palco. A entrega total. Ao texto, à canção, ao espectáculo, ao público.

Mesmo que um dia em KNOKKE-LE-ZOUTE, eu me torne, como receio, cantor para mulheres acabadas... Mesmo que lhes cante a ”Canção do Bandido” com a voz bandoneante* de um argentino de Carcassone... Mesmo que me chamem António e me vejam queimar os últimos cartuchos em troca de uns presentinhos... “Minhas senhoras eu faço o que posso”... Mesmo que me empanturre de hidromel, para melhor falar de virilidade àquelas matronas enfeitadas como árvores de Natal... Eu sei que dentro da minha bebedeira com elefantes cor-de-rosa, todas as noites, eu cantarei a minha canção melancólica, aquela dos tempos em que eu me chamava Jacky...
Gostava de ser por uma hora, uma hora somente, uma hora de vez em quando, belo, belo, e imbecil ao mesmo tempo!

Mesmo que um dia em Macau, eu me torne dono de um casino, cercado de mulheres langorosas... Mesmo que deixe de ser cantor, para me tornar “Mestre Cantor”, e que sejam os outros a cantar... Mesmo que me chamem “Le beau Serge”, e que venda barcos de ópio e de whisky de 100 anos, e verdadeiras bichas e falsas virgens... Mesmo que tenha um Banco em cada dedo, e um dedo em cada país e cada país seja meu... Eu sei que mesmo assim, cada noite, sozinho, no fundo da minha sala de fumo, para um público de velhos chineses eu cantarei a minha canção, aquela do tempo em que me chamava Jacky...
Gostava de ser por uma hora, uma hora somente, uma hora de vez em quando, belo, belo, e imbecil ao mesmo tempo!

Mesmo que um dia no paraíso, para minha surpresa, eu me torne cantor para mulheres com asas brancas. Mesmo que eu lhes cante “aleluia”, lamentando o tempo lá em baixo, onde não era Domingo todos os dias... Mesmo que me chamem Deus pai, aquele que está na Lista entre o Deus dará e o Deus te perdoe. Mesmo que deixe crescer a barba e, como o bom rapaz de sempre, rebente o coração e o espírito puro, a querer consolar os homens, sei que mesmo assim, todas as noites ouvirei no meu paraíso, os anjos, os santos e Lucifer a cantarem-me a minha última canção, aquela do tempo em que eu ma chamava Jacky...
Gostava de ser por uma hora, uma hora somente, uma hora de vez em quando, belo, belo e imbecil ao mesmo tempo!


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