quarta-feira, 29 de setembro de 2010
LA VILLE S'ENDORMAIT
Esta é mais uma canção do último disco de Brel gravado em 1977.
Já se sabia que, devido ao seu grave estado de saúde, Brel não gravaria mais discos. No entanto, os editores não se coibiram de criar uma capa para o disco onde figurava um céu azul com algumas nuvens brancas.
Seria o “céu” para onde o cantor já se estava a encaminhar?
Em Julho de 1978, a conselho de um médico seu amigo, Brel deixa as Ilhas Marquesas e com muita dificuldade chega a Paris para receber tratamentos. No entanto, já há pouco a fazer. Uma noite fria de Outono, ao fugir dos “papparazzi”, abriga-se numa casa de banho pública durante umas horas e apanha uma broncopneumonia. É internado no hospital de Bobigny, Paris, e acaba por morrer de uma Embolia pulmonar, a 9 de Outubro, à 4 horas e dez minutos da madrugada…
A cidade dormia.
A CIDADE ADORMECIA (1977)
A cidade adormecia e já não me lembro do nome dela. A montante do rio uma nesga de céu ardia...
A cidade adormecia e já não me lembro do nome dela.
E a noite a pouco e pouco, e o tempo parado. E o meu cavalo enlameado e o meu corpo fatigado.
E a noite de azul em azul, e a água de uma fonte. E alguns gritos de raiva, lançados por alguns velhos, sobre outros velhos ainda mais velhos, cujo corpo dormita...
E o meu cavalo que bebe, e eu que o observo. E a minha sede que presta atenção para que não se veja…
E a fonte canta, e o cansaço espeta a sua faca nos meus rins. E eu faço-me passar por aquele que é o seu soberano, esperando-me algures, como se espera um rei.
Mas ninguém está à minha espera, e eu até sei que há quem morra por acaso ao alongar o passo...
É verdade que, às vezes, perto do anoitecer os pássaros se parecem com ondas, e as ondas se parecem com pássaros, e os homens com gargalhadas, e as gargalhadas com soluços...
É verdade que muitas vezes o mar se desencanta... Quero dizer com isto, que ele canta outros cantos, não aqueles que o mar canta nos livros das crianças...
Mas, só as mulheres se parecem com mulheres, e de entre elas, os estupores só se parecem com estupores, e eu não estou seguro, como o outro* que canta, que elas sejam o futuro do homem...
A cidade adormecia e já não me lembro do nome dela. A montante do rio uma nesga de céu ardia...
A cidade adormecia e já não me lembro do nome dela.
E tu passaste, donzela desconhecida, quase nua debaixo do véu que dançava...
N.T.:*O outro que canta é Jean Ferrat e a frase “as mulheres são o futuro do homem” é de Louis Aragon, 1897-1982 , um poeta francês, dadaísta e posteriormente surrealista.
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