quarta-feira, 14 de abril de 2010

LE CHEVAL



Em 1966 Brel anuncia que vai deixar os palcos. Primeiro, porque se sente cansado das incessantes digressões e não quer envelhecer na ribalta, aos olhos do público. Segundo, porque não quer tornar-se num velho cantor cabotino, numa vedeta a quem o público aplaude por deferência. Acaba todos os contratos em Maio de 1967 e o derradeiro espectáculo é dado em Roubaix no dia 16 de Maio. Cada vez que Brel acaba de interpretar uma canção dirige-se ao seu pianista, Gérard Jouanest, e diz-lhe “nunca mais tocamos esta…”

O CAVALO (1967)

Eu era bem mais feliz, bem mais feliz, antes, quando eu era o cavalo que puxava a tua caleche, Madame, bela Madame, pelas ruas de Bordéus...
Mas, tu quiseste que eu me tornasse teu amante, tu quiseste mesmo que eu deixasse a minha égua...
Eu não era senão um cavalo, sim, sim, mas tu aproveitaste-te, e por amor por ti eu agora estou “deséguado” ... E depois, todas as noites, na tua cama de cetim branco, eu sinto saudades da minha cavalariça, da minha cavalariça e da minha égua...

Eu era bem mais feliz, bem mais feliz, antes, quando eu era cavalo, quando tu levavas, madame, grandes tampas, bela madame, quando pulavas a cerca...
Mas, tu quiseste que eu aprendesse as boas maneiras, quiseste que eu aprendesse a andar sobre as patas traseiras...
Eu não era mais que um cavalo, sim, sim, mas tu mandaste-me castrar, e por amor por ti... eu agora estou “atraseirado”...
E depois, todas as noites, quando dançamos o tango, sinto saudades da minha cavalariça, da minha cavalariça e do meu galope...

Eu era bem mais feliz, bem mais feliz, antes, quando eu era o cavalo que te levava a passear, bela Madame, sobre a minha garupa, na floresta de Fontaibleau.
Mas, tu quiseste que eu fosse o teu banqueiro, tu quiseste mesmo que eu me pusesse a cantar...
Eu não era mais que um cavalo, sim, sim, mas tu abusaste, e por amor por ti… eu agora estou “envedetado”...
E depois, todas as noites, quando eu canto NE ME QUITTE PAS, eu tenho saudades da minha cavalariça e dos meus silêncios de outrora...

E depois, e depois, tu partiste... Radical, com um Zebra, um Zebra mal riscado, no dia em que, Madame, eu recusei que tu aprendesses a montar a cavalo...
Mas, tu já me tinhas tirado a minha égua e o meu silêncio e as minhas ferraduras e a minha cavalariça e o meu galope...
Só me deixaste os dentes. E é por isso que eu corro, eu corro, eu corro pelo mundo relinchando, acontecendo-me agora recusar o amor pelas mulheres e pelas éguas.
Eu era bem mais feliz, bem mais feliz, antes, quando eu era o cavalo que levava a passear a Madame, na sua caleche... Quando eu era cavalo e tu eras uma megera!!!


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