domingo, 5 de dezembro de 2010

SEUL



Jacques Brel fazia mais de 300 espectáculos por ano. Ao longo da sua vida fez milhares e milhares de quilómetros entre casas de espctáculo, teatros, cabarets e casinos. Tinha uma mala que o acompanhava sempre e onde guardava, além das roupas, uma pasta com os textos que ia escrevendo. E sozinho no banco de trás do carro que o transportava por percursos intermináveis, ou sozinho no camarim antes do espectáculo, ou sozinho no quarto do hotel, ele criava os poemas e as melodias a que depois dava a forma de canção com os seus músicos.
Este texto define essa solidão. Traduz a sua lucidez e o seu desespero perante a morte. Perante a morte está-se sempre só.


(1959)

Somos dois, meu amor, e o amor canta e ri…
Mas no fim do dia, nos lençóis do tédio, encontramo-nos sós...
Somos dez, a defender os vivos pelos mortos…
Mas, amarrados pelas suas cinzas ao poste do remorso, encontramo-nos sós...
Somos cem, a dançar no baile da gente bem…
Mas, na última lanterna, no primeiro desgosto, encontramo-nos sós...
Somos mil contra mil que se acham os mais fortes…
Mas, nessa hora estúpida onde resultam dois mil mortos, encontramo-nos sós...
Somos um milhão a rir do milhão à nossa frente…
Mas, dois milhões de gargalhadas não impedem que ao espelho nos encontremos sós...
Somos mil, sentados no cume da fortuna…
Mas, com medo de ver tudo derreter-se debaixo da Lua, encontramo-nos sós...
Somos cem que a glória convida sem razão…
Mas, quando a sorte acaba, quando termina a canção, encontramo-nos sós...
Somos dez, a dormir no leito do poder…
Mas, perante esses exércitos que se enterram em silêncio, encontramo-nos sós...
Somos dois, a envelhecer contra o tempo que nos espanca…
Mas, logo que vemos a decadência a chegar, risonha, encontramo-nos sós...



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