terça-feira, 6 de abril de 2010

GRAND-MÈRE


A canção Grand-mère, de 1965, é mais um retrato em cores vivas e acutilantes muito ao gosto de Jacques Brel. A fase idealista já estava há muito ultrapassada. Agora os “temas fracturantes” eram o prato forte das canções brelianas. A denúncia dos conformismos, a mediocridade, os fanatismos e as hipocrisias como a desta canção…

A AVÓ

É preciso ver a avó, a avó e a sua peitaça... A avó e as suas fábricas, e os seus vinte secretários...
É preciso ver a avó dirigir os seus negócios. Ela vende correntes de ar disfarçadas de ventanias...
É preciso ver a avó, quando ela conta o seu pé-de-meia.
São montes de zeros, redondinhos como o seu traseiro.
Mas, enquanto isso, o avô corre atrás da criada, dizendo-lhe que o dinheiro não dá felicidade...
Como querem vocês, gente boa, que as nossas boas criadas e os nossos forretas tenham a noção dos valores?...

É preciso ver a avó, uma transmontana que fuma Havanos e que faz tremer a Terra...
É preciso ver a avó, cercada de generais... Em calções de couro, ela ganha as suas guerrazinhas...
É preciso ver a avó em sentido de chapéu... É Waterloo onde não estará Blucher...*
Mas, enquanto isso, o avô corre atrás da criada, dizendo-lhe que o exército só faz cera...
Como querem vocês, gente boa, que as nossas boas criadas e os nossos magalas tenham a noção dos valores?...

É preciso ver a avó a convencer-se sobre a morte... Um pedacinho de sacristia, um pedacinho de remorso...
É preciso ver a avó e a sua Liga das Virtudes, os seus velhos combatentes, os seus velhos combatidos...
É preciso ver a avó, quando ela se acha pecadora... Um grande copo de vinho da missa e um dedo de convento...
Mas, enquanto isso, o avô corre atrás da criada, dizendo-lhe que os padres são uns farsantes...
Como querem vocês, gente boa, que as nossas boas criadas e os nossos ateusinhos tenham a noção dos valores...

Mas... É preciso ver o avô, nas tascas à cunha, onde se joga bilhar e se emborcam copos de cerveja...
É preciso ver o avô, a acariciar os juncos, a desfolhar as lagoas, chorando o Rimbaud...
É preciso ver o avô, ao Domingo à noite, envergonhado e lamentando ter enganado a avó...
Mas, enquanto isso, a avó come a criada, dizendo-lhe que os homens são uns mentirosos...
Como querem vocês, gente boa, que as nossas boas criadas e a nossa bela juventude tenha a noção dos valores...

* Napoleão I foi vencido por Blucher em 1815 na localidade belga Waterloo.

2 comentários:

  1. Será que este homem não tem canções menos boas? Parece que não! :)

    c'est genial

    abraços

    ResponderEliminar
  2. Por eu ter a certeza que "há mais Brel para lá do NE ME QUITTE PAS" é que ando há anos a divulgar a obra do Grand Jacques...

    c'est VRAIMENT genial!

    ResponderEliminar