quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

REGARDE BIEN PETIT

Um dia perguntaram a Jacques Brel como costumava compor as suas canções. Primeiro fazia a música? Primeiro fazia o texto? Os dois ao mesmo tempo? Brel respondeu que “para escrever uma canção eram precisas três ideias: Uma ideia para o texto, uma ideia para a música e por fim uma ideia que não se esperava”... E este é que era o grande desafio. Por isso é que as canções de Brel são diferentes. Depois de Brel mais ninguém escreveu canções como Regarde bien, petit, regarde bien...

OLHA BEM, PEQUENO (1968)
Olha bem, pequeno, olha bem...
Lá em baixo na planície, na altura dos juncos, entre o céu e o moinho, há um homem que vem para cá e que eu não conheço, olha bem, pequeno, olha bem...
Será um vizinho de longe? Um viajante perdido? Um fantasma da guerra? Um caixeiro-viajante?... Será um abade, portador das suas falsas notícias que ajudam a envelhecer?... Será o meu irmão que vem dizer-me que já é tempo de haver um pouco menos de ódio? Ou será apenas o vento que faz rodopiar alguma areia, e cria miragens para estarmos aqui a passar o tempo?..
Olha bem, pequeno, olha bem...
Não é um vizinho, o seu cavalo é demasiado nobre para ser destas bandas ou regressar da guerra... Não é um abade, o seu cavalo é demasiado pobre para ser paroquiano... Não é um comerciante, o seu cavalo é demasiado claro e o seu fato é demasiado branco... E também nenhum viajante passou a ponte, depois da morte do pai, e tão pouco sabe os nossos nomes...
Olha bem, pequeno, olha bem...
Não, não é o meu irmão, o seu cavalo teria bebido... Não é o meu irmão. Ele não se atreveria a vir aqui. Não há aqui nada que lhe possa servir. Não é o meu irmão... O meu irmão pode ter morrido. Aquela sombra de meio-dia teria mais tormentos se realmente fosse ele... Deve ser mesmo o vento que faz rodopiar um pouco de areia, para estarmos aqui a passar o tempo...
Olha bem, pequeno, olha bem...
Lá em baixo na planície, na altura dos juncos, entre o céu e o moinho, há um homem que se afasta, e que nós não chegaremos a saber quem é. Olha bem, pequeno, olha bem... Já podes secar as tuas lágrimas. Há um homem que parte e que nós não chegaremos a conhecer... Já podes arrumar as tuas armas...


1 comentário:

  1. Uma das coisas que ainda me impressiona nos poemas do Brel é que ele consegue brincar com o ritmo das frases, com o tempo das palavras, como quer.

    Nesta canção é particularmente notório, sobretudo no refrão, onde a repetição das sílabas e da entoação de cada um dos versos cria uma sensação de expectativa cansada.

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