segunda-feira, 30 de agosto de 2010

ORLY



Em ORLY Brel cita Gilbert Bécaud “ ...como é triste Orly ao domingo com ou sem Bécaud”. Em 1963 este cantor francês tinha feito um sucesso enorme com uma canção chamada DIMANCHE À ORLY (Domingo em Orly) onde entre muitas futilidades dizia que “ eu vou ao domingo a Orly, no aeroporto vemos os aviões voar para todos os países”.
Brel prefere falar de gente que se ama e que se despede em Orly. O texto de ORLY está no bom estilo descritivo de BREL.
Esta canção está no seu último disco . Este disco foi gravado em segredo. O cantor estava doente e não queria publicidade nenhuma. Depois da gravação feita ele voltou às Ilhas Marquesas. Apesar de tanto secretismo, antes do disco estar impresso e à venda nas lojas, já atingira o impressionante número de 1 milhão de encomendas… Facto absolutamente inédito na indústria discográfica da altura …

Orly (1977)

Serão mais de dois mil, mas eu não vejo mais que eles dois. A chuva uniu-os, parecem-se um com o outro... Serão mais de dois mil, mas eu não vejo mais que eles dois, e eu sei do que eles que falam. Ele deve estar a dizer “amo-te” e ela deve estar a dizer “amo-te”. Acredito que eles não estão a fazer promessas, um ao outro, são demasiado frágeis para serem ingratos...

Serão mais de dois mil, mas eu não vejo mais que eles dois. Subitamente ele chora, chora lágrimas como punhos... Tão enlaçados estão, que transpiram por todos os poros, arfam de esperança e não ligam aos puritanos que os olham de lado… Estes dois escorraçados, soberbos de tristeza, deixam aos cães a proeza de os julgarem...

A vida não dá brindes!... Meu Deus, como é triste Orly ao Domingo, com ou sem Bécaud...

E agora eles choram, choram os dois. Há instantes era ele... Tão abraçados que estão, não escutam mais nada a não ser os soluços um do outro... E depois, depois indefinidamente, como dois corpos que suplicam, indefinidamente, lentamente, estes dois corpos separam-se e separando-se estes dois corpos despedaçam-se, e juro-vos que gritam. E depois voltam a abraçar-se para ser de novo um só... O fogo volta, e despedaçam-se outra vez... Agarram-se pelos olhares e depois recuam como o mar que se afasta... Ele diz adeus, balbucia algumas palavras, agita uma vaga mão, e bruscamente foge. Foge sem se voltar, e desaparece engolido pela escada...

E ela, ela fica. Coração crucificado, boca aberta, sem um grito, sem uma palavra... Ela conhece a sua morte, ela acaba de se cruzar com ela. E ela volta-se, e volta-se de novo... Os seus braços caídos até ao chão. Há muito que ela sabe que é assim. A porta fechou-se, não há luz. Ela rodopia sobre si mesma e já sabe que voltará sempre. Ela perdeu homens, mas ali ela perdeu o amor. O amor disse-lhe “cá estou de novo, inútil...” Ela viverá de projectos que não são senão uma espera.
Ei-la de novo, frágil, antes que esteja à venda...
Eu estou lá, estou a segui-la, e não arrisco nada por ela... A malta vai trincar nela, como na fruta barata...


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