terça-feira, 27 de julho de 2010
LES BICHES
N.T: Brel usa o termo BICHE porque esta palavra tem um duplo sentido - CORÇA ou modo muito terno de tratar a pessoa amada. Portanto, BICHE é um termo elogioso que evoca uma certa doçura e elegância, no andar e no charme, tal como a figura do "Bambi", de Walt Disney.
Em português não encontro nada parecido, relacionado com um animal, que exprima este elogio, daí o ter usado a palavra CORÇA.
Uma das razões da misoginia de Brel é a sua necessidade de ser amado que se contrapõe ao seu desejo de liberdade. Contra a sua vontade a mulher é o laço que caça o amor. Apaixonado, o homem pensa em partir, viajar, voar, mas a mulher toma a iniciativa e dispõe dele, ame-o muito, pouco ou nada. O herói da canção Les Biches espera e lamenta-se: Não reage. Ela é que viaja, ela é que vai ao leme, parte e regressa quando quer. Ela transforma as garras dele em docilidade. Faz do predador um animal doméstico. Quem conhece a vida de Brel, para lá das canções, sabe qual é a sua opinião sobre o sexo feminino. Ele não detestava as mulheres de uma maneira geral. Da mesma forma que não suportava os homens militaristas ou os belgas nacionalistas, também não suportava as mulheres fúteis ou as mulheres hipócritas. Sobre as mulheres, um dia, Brel disse: “Quando um homem não tem medo de se deitar com uma mulher é porque não a ama…”
AS CORÇAS 1962
Elas são o nosso primeiro inimigo, quando, a rir, se escapam dos prados do tédio... As corças.
Com pestanas encaracoladas, e penteados à caça-corços, pelo canto do olho fazem batota, tão bem, que o caçador fica caçado. Sim, que eu até conheço borrascas que elas transformaram em poetas, as corças...
E quando as enxotamos do pensamento, ou quando elas, muito coradas, nos caçam, elas são o nosso primeiro inimigo, as corças de quinze anos...
Elas são o nosso mais belo inimigo, quando têm o brilho da flor e já têm o sabor do fruto... As corças.
Elas passam cá para fora toda a virtude. Ainda que seja com todo o coração, ainda que seja com todo o corpo, que elas façam batota... Logo que mordiscam os maridos ou agarram o diamante sobre o asfalto azul de Paris, as corças, que se caçam a golpes de rubis, ou que nos caçam com sentimento, são o nosso mais belo inimigo, as corças, de vinte anos...
Elas são o nosso pior inimigo, logo que conhecem o seu poder, sabem ficar à espera, as corças.
Quando um caçador é uma oportunidade. Quando a sua beleza se levanta tarde, é com toda a sua ciência que elas fazem batota… Enganando o enfado mais que o corço, e o amante com o outro amante, e o outro amante com o corço, que vem a calhar...
Mas quando as caçamos loucamente, ou quando elas nos caçam, de mãos enluvadas, elas são o nosso pior inimigo, as corças com mais de vinte anos...
Elas são o nosso último inimigo, quando os seus seios tombam de sono por terem estado de vigília demasiadas noites... As corças...
Quando têm o passo resignado dos peregrinos que regressam… Quando é com todo o seu passado que elas fazem batota, a fim de melhor nos agarrar, nós que, nessa altura, não servimos senão para impedi-las de envelhecer, as corças.
Mesmo que as enxotemos da nossa vida, ou que ela nos enxotem, porque já é tempo, elas permanecem o nosso último inimigo, as corças de há muito tempo...
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