domingo, 13 de setembro de 2009

LES VIEUX

Jacques Brel canta os velhos e a velhice com palavras ternas e ao mesmo tempo cruéis. Ternas sem comiseração, cruéis sem raiva. Na canção Les vieux, ele usa um truque literário para transmitir ao ouvinte toda a solidão e lentidão da velhice.
O texto é composto por versos de 18 sílabas. A orquestração acentua esta cadência lenta. A melodia e a entoação da voz completam o quadro da velhice que se arrasta para a morte… A nossa velhice que se arrasta para a morte.
Les vieux é de 1963.

Os velhos já não falam... Quando muito, às vezes, falam com olhares. Mesmo ricos, eles são pobres... Já não têm ilusões e só lhes resta um coração para dois. As suas casas cheiram a tomilho, cheiram a limpeza, cheiram a alfazema e a palavras antigas. Quando se vive muito tempo, viver em Paris, é como viver na província...
Talvez porque tenham rido muito, as suas vozes enrugam-se quando falam do passado... Talvez porque tenham chorado demasiado, as lágrimas se tornam pérolas nas pálpebras... E se tremem mais um pouco, é só porque vêem envelhecer o relógio de parede, que ronrona no salão, e que diz sim, e que diz não, e que diz “Estou à vossa espera”!

Os velhos já não sonham... Os seus livros adormeceram, os pianos estão fechados, o gatinho já morreu, o moscatel do Domingo já não os faz cantar... Os velhos já não se mexem... Os seus gestos têm demasiadas rugas e o seu mundo é muito pequeno, vai do leito à janela, depois do leito ao sofá, e depois do leito ao leito... E se ainda saem à rua, vão muito austeros de braço dado, debaixo do sol, ao enterro de um que era mais velho, ao enterro de uma que era mais decrépita... E enquanto dura um soluço, esquecem por uma hora o relógio de parede que ronrona no salão, e que diz sim, e que diz não, e por eles vai esperando...

Os velhos não morrem... Um dia adormecem e ficam-se a dormir por demasiado tempo... Dão a mão um ao outro porque têm medo de se perder, e portanto, perdem-se. E o outro que resta, para ali fica... Seja o melhor ou o pior, seja o meigo ou o severo, pouco importa, porque encontra-se no inferno... Vamos vê-lo talvez, vamos encontrá-la por vezes, à chuva e ao desgosto, atravessando o presente, e desculpando-se de já não poder estar mais adiante, e fugir à vossa frente, uma última vez do relógio de parede que ronrona no salão, que diz sim, e que diz não, e que lhe diz: “Estou à tua espera”...
O relógio de parede que ronrona no salão e que diz sim… E que diz não... E QUE ESTÁ À NOSSA ESPERA.


2 comentários:

  1. Este poema é dos melhores dele, na minha opinião. As imagens são poderosíssimas.

    E há um pormenor que eu noto sempre, que não sei se se vê na versão ao vivo do youtube, e que não tenho a certeza se sou eu que imagino se está mesmo lá: a maioria dos versos são cantados com fluidez, sem grandes paragens ou interrupções entre palavras.
    No entanto quando ele canta "Et l'autre reste lá... le meilleur ou le pire, le doux ou le sévére, celá n'importe pas. celui des deux qui reste se retrouve en enfer." sinto sempre que após a palavra "inferno" há uma ligeira pausa, uma interrupção para deixar assentar a finalidade da imagem.

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  2. Belíssimos e contundentes versos, tão reais que chegam a ser cruéis

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