terça-feira, 29 de março de 2011

ALDONZA



Depois da Dulcineia imaginada por D.Quixote, não há nada como ouvir o que tem a dizer a própria, e pela sua própria voz: Aldonza.
Aqui interpretada magnificamente por Alexise Yerna , com José van Dam na pele de D.Quixote.

ALDONZA


Nasci como um cão, uma noite, quando chovia
Eu nasci e minha mãe partiu, cantando
E não sei nada dela a não ser este ódio que eu guardo
Eu deveria ter vindo ao mundo já morta.
É verdade que há o meu pai, dizem, muitas vezes é dito
Que as raparigas guardam o seu pai no fundo dos seus corações
Mas eu não conheci o meu pai, o meu pai eram vários
Porque o meu pai era um regimento.
Eu nem posso mesmo dizer se eles eram andaluzes ou prussianos
Se morreram lá para o norte, se morreram lá para o sul
Eu não sei nada!

Uma senhora, e como quer ele que eu seja uma senhora?

Eu cresci como uma cadela, de esquina em esquina
Eu cresci muitas vezes sobre a palha das mulas
De soldado em soldado, de canalha em canalha
Eu conheci os favores do amor
E vivo como um animal, e faço essas coisas como quem se assoa
E vivo sem saber nem para quê nem para quem
Por um centavo me levanto, por dois centavos me deito
Por três centavos eu faço qualquer coisa!
Se você não acredita em mim, por três centavos venha ver o resto
Da mais tonta das noivas aos mais nojentos bandidos da terra

Mas procure então no meio das suas nuvens e veja-me tal como eu sou

Uma senhora, uma verdadeira dama tem virtude, tem uma alma
Em nome de Deus, de todos os piores canalhas que conheci
Você que fala de uma estrela, você que mostra o céu,
Você é o mais infame, o mais cruel.
Bata-me, eu prefiro o chicote aos seus sonhos,
Bata-me mesmo no fogo, mesmo no chão, mesmo na terra
Mas guarde a sua ternura, deixe-me com o meu desespero
Eu nasci no estrume, e para lá voltarei,
Mas eu vos imploro não me fale mais de Dulcineia
Você vê bem que eu não sou nada, não sou mais que a puta Aldonza.



1 comentário: