segunda-feira, 11 de outubro de 2010

LES FENÊTRES



Oito anos anos depois de ter escrito uma canção que falava das janelas quebradas das fábricas dos subúrbios Brel volta ao tema das janelas numa canção bem mais consistente e madura. E volta ao tema não propriamente pela janela mas pelas vistas que uma janela pode revelar ou esconder.
De uma janela pode-se controlar o vai e vem dos senhores que frequentam um beco onde mora uma prostituta mas também se pode vigiar os jovens que simplesmente procuram o amor.
No fim, e felizmente, as janelas servem acima de tudo para esconder os amantes que se querem amar.

AS JANELAS(1963)

As janelas espreitam-nos quando o nosso coração pára ao nos cruzamos com a Luisinha, por quem as nossas carnes fervem...
As janelas divertem-se quando vêem uma serigaita a oferecer a sua corola a um escrivão de notário...
As janelas comovem-se quando, na madrugada pálida, um funeral se arrasta até ao velho cemitério...
Mas, as janelas franzem as cornijas de bronze quando os silvados lhe vêm roubar a claridade...

As janelas resmungam quando caem as chuvadas do tempo frio que molham as despedidas...
As janelas cantarolam quando chega o Outono e se levanta o vento que deixa a rua para os apaixonados...
As janelas calam-se quando o Inverno as acalma e uma neve espessa lhes vem fechar os olhos...
Mas, as janelas tagarelam quando passa uma mulher que mora num beco frequentado por cavalheiros...

A janela é um ovo quando é estilo olho-de-boi, e fica, como um viúvo à espera, ao lado de um saguão...
A janela peleja quando é uma gateira por onde um soldado metralha antes de tombar...
As janelas perdem o seu tempo quando são mansardas e abrigam os trapos de um poeta esquecido...
Mas, as janelas delicadas cobrem-se logo de grades se por azar alguém grita “viva a liberdade!”...

As janelas vigiam a criança que se espanta num círculo de velhos ao dar os seus primeiros passos...
As janelas sorriem quando quinze anos muito bonitos e quinze anos muito crescidos se oferecem um primeiro lanche...
As janelas ameaçam, as janelas mostram má cara, quando eu por vezes tenho a audácia de chamar gato a um gato...
Mas, as janelas seguem-me, seguem-me e perseguem-me até ao medo que se segue lá no fundo dos meus lençóis...

As janelas, muitas vezes, impunemente, chamam vadios aos miúdos que apenas procuram um amor...
As janelas, muitas vezes, suspeitam desses labregos que dormem nos bancos e falam estrangeiro...
As janelas, muitas vezes, fecham-se a rir, fecham-se a gritar quando alguém quer cantar...
Ah, eu nem me atrevo a pensar que elas servem mais para encobrir, do que para deixar entrar a luz do Verão... Não, eu prefiro pensar que uma janela fechada, não serve senão para ajudar os amantes a amarem-se...


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