domingo, 30 de maio de 2010

LA FANETTE




A situação descrita na canção La fanette repete-se em mais duas ou três canções de Brel. É quando o amor e a morte andam juntos. Nessas canções o amor é repartido por três. E como alguém está a mais o problema resolve-se com o desaparecimento desse alguém. Em La fanette são dois os que a morte leva.
Chamo atenção para a melodia e para orquestração que evocam intencionalmente o vai e vem dolente das ondas do mar numa praia.
A canção foi gravada em 1963 por ISABELLE AUBRET que logo após a gravação sofreu um acidente de viação que a deixou entre a vida e a morte durante vários meses. Brel, generoso como sempre, cedeu-lhe os direitos de autor de La Fanette, definitiva e integralmente.

A FANETTE (1963)

Nós éramos dois amigos e a Fanette amava-me.
A praia estava deserta e dormia em Julho.
Se elas se lembrassem, as ondas diriam quantas vezes para a Fanette eu cantei as minhas canções...

Devo dizer, devo dizer que ela era linda como uma pérola de água...
Devo dizer que ela era linda e eu nem sou bonito...
Devo dizer que ela era morena, tanto como a duna era loira, e eu, tendo uma e outra, eu tinha o mundo...
Devo dizer que eu era louco em acreditar naquilo tudo, crer que era tudo nosso, crer que ela era minha.
Devo dizer que não se aprende a desconfiar de tudo...

Nós éramos dois amigos e a Fanette amava-me...
A praia estava deserta e mentia em Julho.
Se elas se lembrassem, as ondas diriam como para a Fanette se demorava a canção...

Devo dizer, devo dizer que ao sair de uma onda lânguida vi-os afastaram-se como amada e amante...
Devo dizer que eles riram quando me viram chorar. Devo dizer que eles cantaram quando eu os amaldiçoei... Devo dizer que esse dia correu bem... Eles nadaram tão longe, eles nadaram tão bem, que eu nunca mais os vi... Devo dizer que não se aprende... Bom, mas falemos de outra coisa...

Nós éramos dois amigos e a Fanette amava-o a ele... A praia está deserta e chora em Julho, e à noite, às vezes, quando as ondas acalmam, escuto como uma voz, escuto...
É a Fanette...




sexta-feira, 28 de maio de 2010

LA VALSE À MILLE TEMPS



LA VALSE À MILLE TEMPS funciona como um emblema de Jacques Brel. Não só porque se tornou uma das canções mais carismáticas do cantor, mas também porque é o modelo de canção tipicamente breliano. Começa numa suave bonança e termina numa violenta tempestade.
LA VALSE À MILLE TEMPS é o título que dá nome ao seu quarto disco, editado em 1959, e vendeu na altura cerca de 500.000 exemplares. Ganhou no ano seguinte o Grand Prix Francis Carco de l'Académie du Disque.
Os autores de uma campanha publicitária francesa, que incentivava o consumo de carne - "Suivez le boeuf" – fizeram uma versão desta valse à mille temps que passou a ser "La Vache à 1.000 francs". Foi cantada por um senhor chamado Jean Poiret, e mais tarde o próprio Brel, num espectáculo no Olympia, também cantou... La vache.

A valsa a mil tempos (1959)

Ao primeiro tempo da valsa, sozinha, tu já sorris. Ao primeiro tempo da valsa eu estou só, mas dou por ti, e Paris que marca o compasso, Paris que marca a nossa emoção, Paris que marca o compasso, segreda-me muito baixinho...

Uma valsa a três tempos que ainda oferece o tempo para os rodeios do amor...
Como é elegante uma valsa a quatro tempos.
É muito menos dançante, mas sempre elegante, como uma valsa a três tempos. Uma valsa a quatro tempos. Uma valsa aos vinte anos, é muito mais estonteante, mas muito mais fascinante que uma valsa a três tempos...
Uma valsa aos vinte anos. Uma valsa a cem tempos, uma valsa aos cem anos, uma valsa que se ouve em cada esquina de Paris, onde o amor renasce na Primavera...
Uma valsa a mil tempos, uma valsa a mil tempos… uma valsa que pôs o tempo a esperar vinte anos, para que tu tivesses vinte anos e para que eu tivesse vinte anos, uma valsa a mil tempos... Uma valsa a mil tempos oferece, unicamente aos amantes, trezentos e trinta e três vezes o tempo de construir um romance...

Ao segundo tempo da valsa, somos dois. Tu estás nos meus braços. Ao segundo tempo da valsa contamos ao mesmo tempo, um... dois… três... e Paris, que marca o compasso, Paris, que marca a nossa emoção, Paris, que marca o compasso já trauteia...

Ao terceiro tempo da valsa, nós dançamos enfim os três. Ao terceiro tempo da valsa é tu, é o amor e sou eu. E Paris, que marca o compasso, Paris, que marca a nossa emoção, Paris, que marca o compasso, deixa por fim resplandecer toda a sua alegria...


quarta-feira, 26 de maio de 2010

MARROCOS




Pela Editora “Atelier Fol'Fer” foi publicado em Março um livro intitulado LE MAROC,PAR LE PETIT BOUT DE LA LORGNETTE de JEAN PIERRE PÉRONCEL-HUGOZ.
O Editor apresenta assim o seu produto:
“ Observações literárias, políticas ou artísticas, retratos, pequenos gestos diários e grandes actos guerreiros alternam com viagens de ida e volta entre o passado e a actualidade. Dos Berberes aos portugueses, dos sheriffs Alawis ao Marechal Lyautey, das cidades coloniais aos desembarques americanos de 1942, de um bordel famoso cantado por Brel às expedições fenícias para a captura de elefantes perto de Casablanca, Péroncel-Hugoz leva-nos através de caminhos tortuosos através da História infinitamente cintilante desse Ocidente do Oriente, o extremo-Magrebe, Marrocos ...”

Do site Breltrenteansdeja recebi um comentário sobre este livro do qual reproduzo alguns excertos:

Este livro revela-nos informações surpreendentes sobre Marrocos e sobre a "Esfinge", uma instituição prazer faraoónico.
Sem o saber, sem dúvida, Jacques Brel imortalizou a "Esfinge". O bordel mais popular em todo a França colonial. "O bordel mais famoso da Terra", foi visitado por um grande número de pessoas famosas que se mantiveram relutantes em admitir isso.
O único cliente conhecido da “Esfinge”, que teve a ousadia de reconhecer em voz alta e clara que ia lá para "consumir" algo mais que refrigerantes, foi Jacques Brel, diz-nos o autor deste livro.
Outra curiosidade sobre Marrocos é a de que o grande êxito “La Valse à mille temps” foi inspirado e composto no balanço do carro ao fazer as intermináveis curvas das estradas marroquinas. Ou ainda, Brel na canção “Jef” ao falar da Madame Andrée refere-se a uma patroa da “Esfinge”. Na canção, Brel insiste com o amigo bêbado para "ir ver as raparigas, parece que há lá novas... Vem, Jef vem, vem, vem!”.
E o nosso autor conclui este capítulo do seu livro em tom romântico e nostálgico dizendo que Brel, obviamente, encontrou na “Esfinge” momentos inesquecíveis, e talvez até mesmo de felicidade.
« Je veux mourir ma vie avant qu'elle ne soit vieille
Entre le cul des filles et le cul des bouteilles. »

segunda-feira, 24 de maio de 2010

MON ENFANCE




As dez canções do 11º álbum de Jacques Brel ("Brel 67"), gravadas em quatro sessões, entre 30 de dezembro de 1966 e 18 de janeiro de 1967, incluem esta pérola da canção francesa – MON ENFANCE.
Poucos meses antes de escrever "A Minha infância", Brel confidenciou ao microfone de uma rádio belga: "Não me arrependo nada do meu tempo de infância porque eu acho que é uma coisa que só se suporta uma vez. E eu acho que ela foi muito longa. E às vezes se falo nisso, por exemplo numa canção, não é com pesar ... ".
Marc Robine é definitivo: "É uma das canções essenciais do Grand Jacques. Uma das mais autobiográficas, uma das mais belas, mais fortes, mais sensíveis, mais conseguidas e, provavelmente, uma das maiores canções francesas que se fizeram”.

A MINHA INFÂNCIA (1967)

A minha infância passou-se entre cinzentos e silêncios, entre falsas mesuras e falta de querelas...
No inverno ficava no ventre daquela grande casa que tinha lançado âncora a Norte, por entre os juncos...
De verão, em tronco nu, mas sempre recatado, brincava aos índios, mas com a certeza que os meus tios abastados me tinham roubado o Far West...

A minha infância passou... As mulheres na cozinha - onde eu sonhava com a China - envelheciam nos cozinhados... Os homens, à volta do queijo, envolviam-se de tabaco. Flamengos, soturnos e prudentes, e que não me conheciam. Eu, que todas as noites, ajoelhado para nada, harpejava a minha tristeza aos pés da grande cama... Queria apanhar um comboio que nunca cheguei a apanhar..

A minha infância passou-se de criada em criada... Já me surpreendia que elas não fossem plantas. Surpreendiam-me ainda todas aquelas rodas de família...Todos vestidos de luto, divagando de morto em morto... Espantava-me sobretudo de pertencer a esse rebanho que me ensinou a chorar e que eu conhecia bem demais... Eu que tinha o olho do pastor, mas o coração do cordeiro...

A minha infância explodiu !!! Chegou a adolescência e o muro do silêncio uma manhã ruiu... Foi a primeira flor e a primeira rapariga, a primeira ternura e o primeiro medo... Eu voei, eu juro que voei... O meu coração abriu os braços e eu já não era labrego...
Depois, a guerra chegou...
E aqui estamos hoje...


sábado, 22 de maio de 2010

PATRICK NEDERKOORN, Wie volgt



No blog do meu amigo RODOLPHE GUILLO vi esta versão da canção Au suivant (O seguinte) cujo texto já foi AQUI publicado em 7 de Outubro. É uma versão em holandês cantada por PATRICK NEDERKOORN.
Segundo o Rodolphe “Le son de la langue néerlandaise et l'interprétation de Patrick Nederkoorn, acteur de théâtre, contribuent à cette magnifique reprise qui donne des frissons.” (O som da língua holandesa e a interpretação de Patrick Nederkoorn, actor de teatro, contribuem para esta magnífica versão que dá arrepios).

sexta-feira, 21 de maio de 2010

MICHEL QUINT



Do site LIRE EST UN PLAISIR recolhemos esta notícia assinada por Nicky Depasse:

“Jacques Brel contado por um dos nossos dez melhores escritores contemporâneos: Michel Quint. O Homem do Norte diz que Brel cantou (e escreveu) como nenhum outro. Ele segue-lhe o rasto depois de Roubaix, cidade onde o cantor fez pela última vez um recital em público.
Brel no Olympia, em Nova York, Brel na ópera, Brel nas Marquesas, Brel em Bruxelas... Quem mais que Michel Quint poderia romantizar tal vida, estar à medida do fluxo de génio derramado durante vinte anos.
Ricamente e abundantemente ilustrado por Philippe Lorin, este livro é uma maravilha gráfica e literária.”


Este livro dedicado a Brel, intitulado SUR LES PAS DE JACQUES BREL, é das Edições Presses de la Renaissance e tem texto de Michel Quint e ilustrações de Philippe Lorin. Foi publicado em Fevereiro de 2008.
Na foto os autores, numa Feira do Livro, dão uma entrevista sobre o seu trabalho.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

FERNAND

Esta canção – FERNAND – é o exemplo típico da canção breliana. A encenação está completa porque todos os elementos se conjugam na perfeição para construir uma peça de teatro de 5 minutos. O texto dramático é um “requiem” que o poeta fez para um amigo imaginário. A interpretação é feita apenas por um actor sozinho em palco, com o seu corpo, os seus gestos, os esgares faciais, os olhares. E depois a música… E a orquestração. O ritmo pungente e o toque-toque que se ouve durante a canção, traduzem imagem de um funeral solitário que atravessa Paris na manhã cinzenta. Uma carruagem puxada por um cavalo. Um amigo que morreu…


Fernando (1965)

Dizer que o Fernando está morto, dizer que morreu o Fernando. Dizer que eu estou só, aqui atrás, dizer que ele vai só, à minha frente... Ele na sua última cerveja, eu na minha ressaca, ele no seu caixão, eu no meu deserto. À frente, apenas um cavalo branco. Atrás, só eu, que choro... Dizer que nem sequer há vento para agitar as minhas flores... Eu, se fosse o bom Deus, creio que teria remorsos...
Dizer que agora chove, dizer que o Fernando está morto.

Dizer que atravessamos Paris pela manhãzinha... Mesmo que fosse Berlim, tu, tu não sabias, tu estás a dormir... Mas é triste morrer, ser obrigado a partir quando Paris ainda dorme. Eu rebento de vontade de acordar as pessoas... Vou inventar-te uma família somente para o teu funeral. E depois, se eu fosse o bom Deus, creio que não seria arrogante...
Sei que cada um faz o que pode, mas há sempre uma maneira...

Tu sabes que eu voltarei, voltarei aqui muitas vezes a este lugar da porra, onde tu vais repousar... No Verão far-te-ei sombra e beberemos o silêncio à saúde da Constança que gozou bem com a tua sombra... E depois as pessoas são tão cretinas que nos vão fazer uma guerra... Portanto eu virei por bem dormir aqui no teu cemitério.
E agora bom Deus vai-te rindo... E agora bom Deus, agora eu vou chorar...