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domingo, 18 de março de 2012

MARCEL AZZOLA


O virtuoso do acordeão MARCEL AZZOLA que acompanhou  JACQUES BREL (e  muitos outros artistas) durante alguns anos, em concertos e em estúdio, está em digressão pelo Canadá.
O legendário acordeonista é acompanhado pela pianista Lina Bossatti e encontra-se agora na Salle d'Youville du Palais Montcalm.



Neste vídeo, além de orquestra, ele é acompanhado pelo pianista de Brel , Gérard Jouannest, e interpreta VESOUL.
Marcel Azzola ficou com o seu nome textualmente gravado em disco, pela própria voz de Jacques Brel, quando no frenesim final da canção VESOUL, Brel lhe grita “Chauffe, Marcel, chauffe!!”

segunda-feira, 28 de junho de 2010

ON N'OUBLIE RIEN



Não esquecemos nada (1961)

Não esquecemos nada, nada, não esquecemos absolutamente nada, habituamo-nos, e é tudo...

Nem essas partidas, nem esses navios, nem essas viagens que nos afundam, de paisagem em paisagem, de rosto em rosto...
Nem todos esses portos, nem todos esses bares, nem todos essas ressacas onde se espera a manhã sombria no cinema do seu whisky.
Nem tudo isso, nem nada no mundo, nos pode fazer esquecer, que é tudo tão verdade como a terra ser redonda...

Nem esses “nuncas”, nem esses “sempres”, nem esses “amo-te”.
Nem essas paixões, que se perseguem a corta-corações, de tristeza em tristeza, de pranto em pranto...
Nem esses braços brancos duma única noite, colar de mulher que se desprende para o nosso tédio, de madrugada, por promessas de reencontro...
Nem tudo isso, nem nada no mundo, nos pode fazer esquecer, que é tudo tão verdade como a terra ser redonda...

Nem mesmo esse tempo em que eu teria feito mil canções das minhas mágoas.
Nem mesmo esse tempo em que as minhas memórias tomavam as rugas por um sorriso... Nem essa grande cama onde os meus remorsos têm encontro marcado com a morte.
Nem essa grande cama que eu desejo que em certos dias seja uma festa...
Nem tudo isso, nem nada no mundo, nos pode fazer esquecer, que é tudo tão verdade como a terra ser redonda...

Não esquecemos nada, nada, não esquecemos absolutamente nada, habituamo-nos, e é tudo...

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

MADELEINE



Para Brel o contacto directo em palco, com os seus músicos era imprescidível. Ele lamentava os artistas do play-back dizendo que eles se deixavam vender como os dentífricos. Jacques Brel, no estúdio de gravação, juntamente com a orquestra, fazia duas ou três gravações, não mais. Por fim ia para a cabina de som e com o seu maestro Rauber e com o seu pianista Jouannest escolhiam a melhor gravação.
Jacques Brel foi dos poucos cantores que teve a honra de ser aplaudido pelos músicos da orquestra, durante as gravações. Que se saiba só Sarah Vaughan teve também este privilégio.

MADALENA (1961)
Esta noite espero a Madalena. Trouxe uns lilases, aliás, todas as semanas trago lilases... Ela gosta tanto... Tomaremos o eléctrico trinta e três para ir comer umas batatas fritas ao Eugénio, ela gosta tanto... A Madalena é o meu Natal, a minha América, mesmo que seja boa de demais para mim, como diz o primo Joel... Mas, esta noite, espero a Madalena, iremos ao cinema e direi muitas vezes que a amo… Ela gosta tanto... Ela é tão bonita, ela é... Ela é... Tudo isso... Ela é toda a minha vida, a Madalena, que eu espero...

Esta noite espero a Madalena, mas, já chove sobre os meus lilases... Chove como todas as semanas e a Madalena que não chega! Já é tarde para o eléctrico trinta e três... Já é tarde para as batatas fritas do Eugénio, e a Madalena que não chega... Ela é o meu horizonte, é a minha América, mesmo que seja boa demais para mim, como diz o seu primo Gastão... Mas, esta noite espero a Madalena e só me resta o cinema... Vou dizer-lhe muitas vezes que a amo! Ela gosta tanto... Ela é toda a minha vida, a Madalena, que nunca mais chega...

Esta noite esperava a Madalena, mas já deitei fora os lilases, aliás, deito-os fora todas as semanas... A Madalena não virá... O cinema já se foi e eu fico-me com os meus “amo-te, amo-te”... A Madalena já não virá... Ela é a minha esperança, a minha América, e certamente que ela é boa demais para mim, como diz o seu primo Gaspar... Esta noite esperava a Madalena, e olha, o último eléctrico já partiu e o Eugénio deve estar a fechar... Ela já não vem... A Madalena que nunca mais chega...

Mas, amanhã, amanhã esperarei a Madalena... Trarei os meus lilases. Todas as semanas trago lilases. Ela gosta tanto... Vamos apanhar o eléctrico trinta e três para comer umas batatas fritas no Eugénio... Ela vai gostar tanto... A Madalena é a minha esperança, a minha América. Não me importa que ela seja boa demais para mim, como diz o seu primo Gaspar... Amanhã esperarei a Madalena, iremos ao cinema e eu vou dizer-lhe muitas vezes que a amo... Ela vai gostar tanto...



terça-feira, 26 de janeiro de 2010

LA TOISON D'OR

Em 1963 Jacques Brel foi convidado para colaborar no Festival Barentim escrevendo uma canção para a tragédia de CORNEILLE. Brel escreveu este prólogo para "La toison d'or".

O tosão de ouro

E vocês conquistadores, navegadores antigos,
holandeses temerários e corsários “maloínos“(*)
Procurando as Américas vocês não procuravam nada,
senão a aventura do Tosão de Ouro...
E vocês filósofos vocês sábios do Oriente,
alquimistas atentos e feiticeiros de hoje
Procurando a sabedoria vocês nada procuravam
senão os segredos do Tosão de Ouro...colaborar
E vocês os imperadores preguiçosos ou tolos,
vocês os verdadeiros Carlos Magno vocês os falsos Carlos V
Procurando o poder vocês nada procuraram
senão os reflexos do Tosão de Ouro...
E vocês bravos cavaleiros sedentos de grandeza,
vocês caçadores do Santo Graal de estandartes de honras
Procurando a vitória vocês nada procuraram,
senão o penacho do Tosão de Ouro...
E vocês todos os poetas os sonhadores mal acordados,
arautos do amor para o céu andaluz
Ao ouvir as vossas musas não cantaram outra coisa
senão o velho sonho do Tosão de Ouro...
E vocês gente de hoje, de hoje de amanhã,
vocês varredores de ídolos de deuses de demónios
Procurando a verdade vocês não procuram nada,
senão a claridade do Tosão de Ouro.


(*) de Saint-Malo

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

L'AIR DE LA BÊTISE

Jacques Brel grava o seu terceiro disco em 1957. É um disco ainda influenciado por temas muito líricos, de matriz moralista. Há, porém, neste trabalho uma canção que deixa antever um Brel NOVO. Um Brel que pretende dizer coisas diferentes. Nesta canção, L’air de la Bêtise, o cantor deixa-se de lirismos e revela-se duro, ríspido, crítico. A agressividade e a provocação manifestam-se...

A ÁRIA DA ESTUPIDEZ (1957)

Mãe das pessoas sem preocupações. Mãe dos que se dizem poderosos... Mãe dos brandos costumes e princesa das gentes sem remorsos... Nós te saudamos, Dona Estupidez, tu que tens um reino desconhecido... Nós te saudamos, Dona Estupidez,...
Mas, diz-me lá, qual é o teu segredo para teres tantos amantes e tantos namorados, tantos representantes e tantos prisioneiros... Para urdires tantos malentendidos, e fazer crer aos cretinos que afinal nós somos persuadidos a vencer na vida à custa de falsos respeitos... De invejas mesquinhas... De nobres intolerâncias...

Mãe das mulheres fatais e dos casamentos por dinheiro... Mãe de todas as meretrizes... Princesa pálida do Vison, nós te saudamos, Dona Estupidez... tu que tens um reino desconhecido... Nós te saudamos, Dona Estupidez...
Mas, diz-me lá, qual é o teu segredo para que a gente não veja o sorriso cúmplice que fará de nós todos, cornudos muito nobres... Para nos fazer esquecer que as verdadeiras putas são aquelas que se fazem pagar, não antes, mas depois... Para que seja possível, certas noites, eu cruzar-me com o teu olhar familiar no fundo do meu espelho...


segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

OS NOMES DE PARIS

Segundo as próprias palavras de Brel, para se vencer na vida do espectáculo musical só havia uma cidade: PARIS. Em Fevereiro de 1953 ele tinha gravado em Bruxelas um disco com duas canções que vendeu duzentos exemplares. Desiludido comprou um bilhete de 3ª classe para a cidade luz. Quando saiu o primeiro disco de Brel, em França, um crítico de um prestigiado jornal parisiense escreveu “este belga cantor não se esqueça que há dois comboios por dia para Bruxelas…”
Brel não se deixou abater pelas críticas e Paris foi realmente o seu grande trampolim para a fama.

OS NOMES DE PARIS(1961)
O sol nasce e acaricia os telhados e é PARIS DIA... O Sena passeia-se e faz-se meu guia e é PARIS SEMPRE. O meu coração pára sobre o teu que sorri e é PARIS BOM DIA! A tua mão na minha mão diz-me que sim, e é PARIS AMOR... O primeiro encontro na Ilha de São Luís e é PARIS QUE COMEÇA... O primeiro beijo roubado nas Tulherias e é PARIS DESEJO... E o primeiro beijo recebido sob um alpendre e é PARIS ROMANCE e duas cabeças estonteadas ao olhar Versailles e é PARIS FRANÇA!

Os dias que esquecemos esquecem-se de nós e é PARIS ESPERANÇA... As horas em que os nossos olhares são apenas um olhar e é PARIS ESPELHO. Há sempre mais noites a separar as nossas canções e é PARIS BOA NOITE... E chega, enfim, o dia em que já não dizes NÃO e é PARIS ESTA NOITE! Um quarto tristonho onde termina a nossa viagem e é PARIS NÓS DOIS... Um olhar que recebe toda a ternura do mundo e é PARIS TEUS OLHOS... Essa jura que é mais chorada que falada e é PARIS SE TU QUISERES, sabendo que amanhã será como foi hoje e é PARIS FELICIDADE...

Mas chega o fim da viagem, chega o fim da canção e é PARIS CINZENTO, último dia, última hora, primeira lágrima também, e é PARIS CHUVA... Esses jardins já sem graça, que perderam todo o encanto e é PARIS TÉDIO, a gare onde se vai cumprir a última ruptura e é PARIS DESFECHO... Longe dos olhos, longe do coração, escorraçado do Paraíso e é PARIS TRISTEZA... Mas, uma carta tua, uma carta que diz sim, e é PARIS AMANHÃ... As vilas e as cidades, as estradas tremem de entusiasmo e é PARIS A CAMINHO! E tu estás lá à minha espera, e tudo vai recomeçar, e é PARIS ESTOU DE VOLTA!!!


sexta-feira, 20 de novembro de 2009

LES DÉSESPÉRÉS

A grande qualidade dos textos de Brel está na verdade das palavras escritas. Está na realidade dos personagens intervenientes. Está na honestidade dos temas escolhidos. A propósito, Jacques Brel dizia que “um homem só é verdadeiramente honesto quando está a dormir... Mas, não se aprende nada vendo os outros dormir.” No texto que publico hoje, Les désespérés, Brel descreve o desespero do suicídio como forma de sarar as feridas profundas de um amor impossível.

OS DESESPERADOS (1965)

Eles caminham de mão dada, em silêncio, nessas cidades mortiças onde a morrinha oscila... Nada mais soa que os seus passos, passo a passo trauteados... Eles caminham em silêncio, os desesperados...

Eles queimaram as suas asas, perderam os seus ramos... De tal modo naufragados que até a morte lhes parece branca. Resgatados do amor, eles estão agora acordados e caminham em silêncio, os desesperados...

Eu conheço esse caminho porque já lá passei... Mais de cem vezes, mais de cem e a sua metade... Menos velhos ou mais magoados eles vão terminar o seu caminho e partir em silêncio, os desesperados...

E debaixo da ponte a água é serena e profunda... Aqui está uma amável hospedeira, aqui está o fim do mundo... Eles choram os seus nomes como os jovens casados e fundem-se no silêncio, os desesperados...

Que se levante aquele que lhes vai atirar a pedra, porque eles, do amor, apenas sabem o verbo amar... Sobre a ponte nada mais há que uma bruma ligeira, e logo se esquece, em silêncio, aqueles que esperaram...


domingo, 15 de novembro de 2009

COMMENT TUER L'AMANT DE SA FEMME...

Para Brel a Religião e a Escola andam lado a lado. Para ele a religião ensina o remorso, o medo, a humildade, a resignação. A religião fabrica seres acanhados e passivos. Nesta canção, Comment tuer l’amant de sa femme... o protagonista, que recebeu a cruz de honra num convento de freiras, é particularmente tímido e passivo, porque a religião o obriga a humilhar-se. Esta canção é de 1968 e está incluída no penúltimo disco de originais que Brel gravou. Só em 1977 viria a gravar de novo.

COMO MATAR O AMANTE... 1968
Como matar o amante da mulher quando, como eu, se foi criado num berço de tradição?... Como matar o amante da mulher, quando, como eu, se foi educado na melhor religião?...
Precisava de tempo, mas, tempo não tenho. Trabalho todo o dia para ela. De noite faço a noite, de dia faço o dia, e ao Domingo faço uns biscatos... E mesmo que eu fosse menos frouxo, acho que seria uma pena sujar a minha reputação. É certo que eu durmo na garagem... É verdade que eles dormem na minha cama... É um facto que sou que arruma a casa, mas... Quem é que não tem as suas pequenas chatices?

Como matar o amante da mulher, quando, como eu, se foi criado num berço de tradição?...
Há o arsénico... Sim, mas leva muito tempo...
Há a pistola... Sim, mas é demasiado rápido...
Há a amizade... Sim, mas é muito cara...
Há o desprezo... Sim... Mas isso é um pecado!

Como matar o amante da mulher, quando, como eu, se recebeu a Cruz de Honra num convento de freiras... Como matar o amante da mulher, quando, como eu, não se ousa dizer-lho com um ramo de flores...
Como não tenho coragem de o insultar a toda a hora, ele diz que o amor me torna cobarde... Como está desempregado, diz-me, à chapada, que o amor o deixa imprevidente... Ele acha que é divertido para um homem da minha idade não ter mais mulher e onze filhos... É certo que eu cozinho para eles, eu bato os cães e os tapetes, e à noite canto-lhes “Noites da china”*. Mas... Quem é que não tem as suas pequenas chatices?
E porquê matar o amante da minha mulher, se é por minha causa que ele tem sífilis?... Porquê matar o amante da minha mulher, se é por minha causa que ele anda a tomar penicilina...


* Nuits de Chine- Canção de 1922

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

LES PAUMÉS DU PETIT MATIN

"Les paumés du petit matin" é mais uma das grandes canções de Jacques Brel...
É o retrato nu e cru de um certo tipo de frequentadores da noite que vivem só para isso, para frequentar a noite. Na galeria de retratos que Brel foi fazendo ao longo da sua carreira estão também os desesperados, os frustrados, os tímidos, os pobres, os traídos. No entanto, a mensagem que está por detrás de cada um destes retratos resume-se a uma palavra… “ternura” . Todos temos necessidade de ternura. Brel renegará sempre a caridade como remédio para os seus retratados.

N.T. A melhor tradução para PAUMÉS DU PETIT MATIN nos anos 60 seria «os meninos bem das noitadas». Em 2009 não resisto a usar os BETINHOS DA NIGHT que exprime na perfeição o que Brel pretende dizer na canção.

OS BETINHOS DA NIGHT (1962)
Eles deitam-se à hora dos pastores, para se levantarem à hora do chá e depois saírem lá para as tantas... Os betinhos da night... Elas têm a arrogância das mulheres de peito feito... Eles têm aquela segurança dos homens onde se adivinha que o papá venceu na vida... Os betinhos da night...
Venham dançar... Venham dançar... Betinhos e betinhas... Venham dançar... E dancem com os olhos postos nos seios...
Eles branqueiam as noites no lavatório das melancolias, que lava sem sujar as mãos dos betinhos da night... E à meia-noite eles falam dos poemas que nunca leram, dos romances que não escreveram, dos amores que não tiveram, das verdades que não servem para nada... Os betinhos da night...
“Ah...o amor destrói-me o fígado”... Oh... Isto é bonito, é bonito... Vocês nunca mais compreenderiam os betinhos da night...
Eles tomam o último whisky, eles despedem-se pela última vez, eles tomam outro último whisky, eles atacam o último tango, eles agarram a última tristeza, os betinhos da night...
Venham chorar, betinhos... Venham... E chorem com os olhos postos nos seios... Vá lá... Venham chorar... Betinhos da night...


segunda-feira, 2 de novembro de 2009

ROSA

Ao ritmo de um tango, Jacques Brel ironiza sobre a classe média e as suas aspirações sociais. Na canção Rosa, os papás e os padres dos colégios internos esforçam-se por formar seres uniformizados todos com o mesmo objectivo na vida: Serem melhores que os progenitores mesmo que tenham de caminhar cegamente por atalhos desconhecidos. O personagem desta canção, no entanto, é um cábula que fura o esquema, e frequenta o colégio por causa da sua prima Rosa. O latim e as suas declinações não são com ele, visto que sabe que nunca poderá vir a ser um Vasco da Gama. A canção é de 1962.

ROSA

Rosa, rosa rosam...Rosae, rosae, rosa... Rosae, rosae, rosas... Rosarum rosis, rosis.... É o mais velho tango do mundo, aquele que as cabecinhas loiras balbuciam numa roda quando aprendem as lições de latim... É o tango do colégio que caça os sonhos numa rede, e depois é um sacrilégio se não se sair malicioso... É o tango dos anciãos, que vigiam com olhar severo os Júlios e os Prósperos, que serão a França de amanhã...

É o tango dos marrões, cheios de borbulhas e de agasalhos a cobrir o coração que já está frio... É o tango dos cábulas que declinam de desgosto e que serão farmacêuticos porque o papá não chegou a ser... É o tempo em que eu era o último, porque neste tango rosa rosae eu já me inclinava de preferência para a minha prima Rosa...

É o tango das passeatas, aos pares, sozinhos, debaixo das arcadas, cercados de padres e de alcaides, que nos protegiam dos porquês... É o tango da chuva no pátio, o espelho de um charco sem amor que me fez compreender um belo dia que eu nunca seria Vasco da Gama... Mas, é também o tango desse tempo bendito, onde por causa de um beijinho demasiado pequeno na clareira de um domingo, corou a minha prima Rosa...

É o tango daquele tempo em que eu tinha zeros, uns finos, outros grossos. Com eles fazia túneis para o Charlot e auréolas para S.Francisco... É o tango das recompensas que iam para aqueles que tinham a sorte de aprender, desde a infância, tudo aquilo que nunca lhes serviu para nada... Mas, é também o tango que nos faz lamentar, que por uma vez, o tempo se compra, e que nos apercebemos, estupidamente que a Rosa tem espinhos... Rosa, rosa rosam... Rosae, rosae, rosa... Rosae, rosae, rosa...Rosarum rosis, rosis...


ROSA na versão ao vivo...


ROSA na versão video clip...

domingo, 1 de novembro de 2009

LES REMPARTS DE VARSOVIE



Jacques Brel canta em público as suas canções pela última vez em 1967. Desiste dos palcos, com 38 anos de idade, porque não quer envelhecer artisticamente perante o seu público. O público reage mal a esta reforma antecipada do cantor. Ele dirá “que não é preciso exagerar, os artistas de variedades não são deuses”, e acrescenta que não passa “de um artesão, de um fabricante de canções”… A canção Les remparts de varsovie, pertence ao seu último disco gravado em 1977.

AS MURALHAS DE VARSÓVIA(1977)

A madame passeia o traseiro pelas muralhas de Varsóvia... A madame passeia o coração pelos trastes da sua leviandade... A madame passeia a sua sombra pelas grandes praças de Itália... Eu acho que a madame vive a sua vida! A madame passeia de madrugada os sinais das suas insónias... Passeia a cavalo os seus estado de alma e os seus caprichos... Passeia um imbecil que jura que a madame é linda... Eu acho que a madame está bem servida!
Ao passo que eu, todas as noites, sou porteiro no Alcazar...

A madame passeia o Verão até ao Sul da França... A madame passeia os seios até ao Sul do acaso... Passeia a depressão ao longo do lago de Constance... Eu acho que a madame é de circunstância!
A madame passeia o seu Lulu, um salsicha negro, chamado Bizâncio... A madame arrasta a sua infância, que altera conforme as ocasiões... A madame passeia por todo o lado o seu sotaque russo, com facilidade... A verdade é que a madame é de Valence...
Ao passo que eu, todas as noites, sou barman no Alcazar...

A madame passeia os cabelos que têm um perfume de “Noites da China”... A madame passeia o olhar sobre todos os velhos industriais... Passeia o seu sorriso, como outros passeiam a sua brilhantina.... Eu acho que a madame é uma libertina! A madame passeia as suas bebedeiras de copo em copo, de taça em taça... Passeia os genes de vinte mil oficiais de Marinha... A madame diz por todo o lado que é conhecida por Titi Jacqueline... Eu acho que a madame é uma má companhia!
Ao passo que eu, todas as noites, sou cantora ligeira no Alcazar...

A madame passeia as mãos pelos diferentes ramos das forças armadas... Passeia os meus tostões pelos novos ricos do bairro da lata... A madame passeia-se de coche e gostava que fosse eu a puxá-lo... Eu acho que a madame é uma vaidosa... A madame passeia o pé de meia que ela gostava que fosse eu a administrar... A madame passeia as jóias que ela gostava que fosse eu a pagar... A madame passeia no meu Rolls e persegue alguns meirinhos... Eu acho que a madame está é com pressa...
Ao passo que eu, todas as noites, lavo a loiça no Alcazar!


Versão de FLORENT PAGNY

terça-feira, 27 de outubro de 2009

LE TANGO FUNÈBRE

Além de François Rauber, Jacques Brel teve outro colaborador fundamental para a sua carreira. Foi o pianista Gérard Jouannest. Com Brel compôs umas quarenta canções. Jouannest soube sempre agarrar o texto que Brel escrevia e dar-lhe a melodia certa. O texto publicado hoje, Le tango Funèbre, tem música de Gérard Jouannest, um pianista de formação clássica, que abandonou os concertos onde tocava Beethoven, Liszt e Ravel, para se dedicar inteiramente à canção ligeira de um só cantor: Jacques Brel.

O TANGO FÚNEBRE (1964)

Ahh... Já estou a vê-los a cobrirem-me de beijos e a disputarem as minhas mãos, e a perguntarem muito baixinho “Será que já morreu?”...”Será que já não morre?... “Será que ainda está quente? “... “Será que já está frio ?”. E depois abrem-me os armários e acariciam as faianças. Revistam as gavetas, e ávidos, procuram as minhas cartas de amor, atadinhas aos pares, que irão depois ler à lareira, rindo às gargalhadas...

Ahh... Já estou a vê-los, formais e friorentos, armados em artistas seguindo o meu sobretudo de madeira... Eles espevitam o coração para serem os mais tristes... Eles espetam os cotovelos para serem os primeiros... Trouxeram umas velhotas que não me conheciam, trouxeram uns garotos que nunca me conheceram... Eles pensam no preço das flores e acham indecente não se morrer só na Primavera, quando toda a gente gosta de lilases*...


Ahh... Já estou a vê-los, os meus queridos falsos amigos, sorridentes sob o peso do dever cumprido... Ah, já estou a ver-te, tão triste e tão aliviada, escondendo debaixo dum véu essas lágrimas de crocodilo... Tu nem sequer percebeste que ao sair do meu cemitério, vais entrar no teu inferno, quando já levas pelo braço, o braço do teu novo amparo, do teu novo aconchego, que te fará chorar muito mais do que eu...

Ahh... Já me estou ver, arrumado para sempre, muito triste, muito frio, no meu jardim das tabuletas... Ah, já me estou a ver a chegar ao fim da tal viagem que não tem regresso... Estou a ver tudo isto, e ainda há quem tenha a lata de me mandar beber só água, de não me atirar às raparigas, de fazer o meu pé-de-meia, de comer só filetes de cavala e de gritar viva o rei !!!**


(*Na Primavera os lilases são mais baratos; **A Bélgica é uma monarquia)

domingo, 25 de outubro de 2009

MON PÈRE DISAIT

Os espectáculos de Jacques Brel tinham a duração de aproximadamente uma hora. Entre as canções Brel interrompia os aplausos do público para iniciar a canção seguinte. Não havia explicações, conversas, anedotas, comentários para entreter, falsas intimidades com o público – fraquinho tão comum de muitas estrelas da cena internacional. Quando Brel apresentava os músicos, o público já sabia que a próxima canção seria a última canção do espectáculo. Depois, não havia falsas saídas, não havia “encores”… Para justificar esta atitude, Brel dizia “ já alguma vez viram um actor de teatro regressar ao palco para repetir uma cena ou um acto da peça que esteve a representar?”

O MEU PAI DIZIA (1967)

O meu pai dizia “É o vento do Norte que faz rachar os diques em Scheveningen, em Scheveningen, rapaz... É tão forte que já ninguém sabe quem navega, se o mar do Norte, se os diques... É o vento do Norte que trespassa os olhos dos homens do norte, velhos ou novos, para fazer cantar as catadupas de azul vindas do norte para o fundo dos seus olhos...”

O meu pai dizia “É o vento do Norte que faz girar a Terra à volta de Bruges, à volta de Bruges, rapaz... É o vento do Norte que tem torneado a Terra em torno das torres de Bruges e que faz com que as nossas raparigas tenham esse olhar tranquilo de velhas cidades... Que faz com que as nossas beldades tenham o cabelo tão frágil como as nossas rendas... Como as nossas rendas”…

O meu dizia “ É o vento do Norte que faz estalar a Terra entre a Bélgica, rapaz, entre a Bélgica e a Inglaterra... E Londres já não é como antes do dilúvio, o lugar de Bruges... Tirando o mar, Londres não é mais que os arredores de Bruges perdidos no mar... Perdidos no mar”…

O meu pai dizia “ É o vento do Norte que levará para a terra o meu corpo sem alma e sem raiva... É o vento do Norte que levará para a terra o meu corpo sem alma em frente ao mar... É o vento do Norte que me fará Capitão de um quebra-mar ou de uma baleia... É o vento do Norte que me fará Capitão de um quebra-lágrimas, para aqueles que eu amo...”


quinta-feira, 15 de outubro de 2009

La...La...La

“A morte é a justiça, a verdadeira justiça. Se a uso nas minhas canções é exactamente por que sendo a ideia mais absurda que conheço é a mais acessível a toda a gente…” disse Brel, um dia.
Brel, nos seus textos, recorre muitas vezes a trocadilhos e neologismos. No texto que publico hoje Brel inventa a palavra MORRIREI para dizer que irá morrer a rir...

La,la,la (1967)
Quando eu for velho serei insuportável. Excepto para a minha cama e para o meu pobre passado...
O meu cão estará morto e a minha barba será uma lástima... Todas as minhas galdérias me terão deixado e habitarei numa qualquer Bélgica que me vai insultar tanto, ou mais que agora, quando eu lhe cantar “Viva a república! Vivam os belgas... Merda para os flamenguentos...la... la...la...”

Serei abandonado, como um velho hospital, por todos os barrigudos da alta sociedade, e portanto, beberei sozinho, a minha pensão de cigarra... É preciso estar-se bem, logo que haja Verão. Apenas serei recebido pelos gatos do meu bairro, para o seu festim, para que não estejam treze à mesa... E aí, depois de um rato morto, subirei a uma cadeira para cantar “meus senhores no leito da marquesa eu é que era os oitenta caçadores...la...la...la...”

E quando chegar a hora, imbecil e fatal, onde parece que alguém nos vem chamar, insultarei o bófia clerical, inclinado sobre o meu corpo, como um lacaio do céu... E morrirei cercado de pândegos, dizendo-me que o Voltaire era giro, e que se há tipos que têm uma pena no chapéu há outros que usam a pena no traseiro... la...la...la...


(Os oitenta caçadores mencionados no texto referem-se a uma canção tradicional francesa que contava a história de uma marquesa que convidou oitenta caçadores para uma caçada, e no fim do dia foi para a cama com todos eles. Ao cabo de nove meses ela teve um filho que ela dizia ser filho de 80 caçadores).

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

LES BIGOTES

AS BEATAS (1962)

Elas envelhecem num passinho miudinho, de cãezinhos em gatinhos... As beatas!
Elas envelhecem tanto mais depressa como confundem o amor com água benta... Como todas as beatas!
Se eu fosse o diabo, ao vê-las passar, acho que me faria castrar... Se eu fosse Deus, ao vê-las rezar, acho que ia perder toda a minha fé, graças às beatas...
Elas vão na procissão num passinho miudinho, de água benta em água benta... As beatas...
E tagarelam, patati, patata... E as minhas orelhas começam a assobiar... As beatas.
Vestidas de negro, como o senhor padre, que é muito bom para todas as criaturas, elas embeatam-se pondo os olhos no chão como se Deus dormisse sob os seus sapatos de beata...
No Sábado à noite, depois do trabalho, encontra-se o operário parisiense... Mas, beatas NÃO!
Porque é fechadas em casa que elas se protegem daquela rapaziada... As beatas,
que preferem encarquilhar-se de novena em novena e de rosário em rosário e orgulharem-se de terem podido conservar aquele diamante que lhes dorme entre as n...(adegas) de beata...
Depois, elas morrem num passinho miúdo, como uma chamazinha, aos montinhos, as beatas, que cemiteriam num passinho miúdo, de manhãzinha, com friozinho, as beatas.
E lá no céu que não existe, os anjos fazem à pressa um paraíso só para elas. Fazem-lhes uma auréola e duas asas, e elas levantam voo no seu passinho miudinho de beata...


segunda-feira, 28 de setembro de 2009

LE GAZ

O GÁS 1967

Tu moras na rua de La Madone, numa velha casa desengonçada, que se retorce e geme nas tábuas do soalho. Tem uma escada de caracol... A casa não é grande, não, mas tem bastante espaço... !!! Tu moras na rua de La Madone e eu, eu… Eu venho por causa do GÁS!

Tens um toucador cheio de Budas, as velas dançam no castiçal e cheira bem não há dúvida... Os tafetás inundam tudo e por todo o lado há fotografias tuas que dormitam à frente do espelho... Tens um toucador cheio de Budas, e eu, eu... Eu venho por causa do GÁS!

Tu tens um verdadeiro divã de rei, um verdadeiro divã de diva... Tens um vinho do Porto que trazes da Porta dos Lilases... Tens um cão pequenino e um gato muito grande... Tens uma grafonola que toca discos de jazz... Tu tens um verdadeiro divã de rei, e eu... Eu... Eu venho por causa do GÁS!

Tu tens uns seios como dois sóis, como frutos, como altares... Tu tens uns seios como dois espelhos, como frutos, como mel... Se tu os cobres, tudo fica negro. Se tu os descobres eu transformo-me em Pégaso... Tu tens uns seios como... Alamedas, e eu... E eu... Eu... Eu venho por causa do GÁS!

É verdade que em tua casa, está o canalizador, está o sacristão, está o carteiro, está o senhor doutor que faz o café e o notário que serve os licores... Está lá metade de um artilheiro, um poeta de Carpentras, estão lá também alguns chuis e até a mão da minha irmã*... E estão todos por causa do GÁS!!!

Venham todos à Rua de La Madone! A casa não é muito grande, não... Mas, tem bastante espaço... Venham todos à Rua de La Madone!!!
Não se esqueçam de dizer que vêm por causa do GÁS!!!


(*A mão da minha irmã: referência provável a uma canção muito popular do tempo da guerra da Argélia - fim dos anos ’50 - onde se cantava que as raparigas metiam a mão dentro das calças dos soldados Zuavos)

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

ZANGRA

Zangra (1962)

O texto publicado hoje foi inspirado no romance de Dino Buzzati “Deserto dos Tártaros”, de 1940.
Brel exprime o seu desdém pelo militarismo e pela vida uniformizada, e revela uma certa nostalgia pelo heroísmo. É uma grande canção Breliana porque segue uma estrutura teatral: Cada estrofe é uma cena, ou um acto, da peça chamada “Zangra”.
De cena para cena a vida do herói vai queimando etapas até à morte, isto é, até ao cair do pano.

O meu nome é ZANGRA e sou tenente no Forte de Belonzio que domina a planície donde virá o inimigo que fará de mim um herói...
Enquanto espero por esse dia, aborreço-me muitas vezes, e então vou até à vila ver os rebanhos de raparigas... Mas, elas sonham com o amor e eu sonho com os meus cavalos...

O meu nome é ZANGRA e já sou capitão no Forte de Belonzio que domina a planície donde virá o inimigo que fará de mim um herói...
Enquanto espero por esse dia, aborreço-me muitas vezes, e então vou até à vila ver a jovem Consuelo... Mas, ela fala de amor e eu falo dos meus cavalos...

O meu nome é ZANGRA e agora sou o comandante do Forte de Belonzio que domina a planície donde virá o inimigo que fará de mim um herói...
Enquanto espero por esse dia, aborreço-me muitas vezes, e então vou até à vila e bebo um copo com D. Pedro. Ele bebe aos meus amores e eu bebo aos seus cavalos...

O meu nome é ZANGRA e sou um velho, velho coronel no Forte de Belonzio que domina a planície donde virá o inimigo que fará de mim um herói...
Enquanto espero por esse dia, aborreço-me muitas vezes, e então vou até à vila ver a viúva de D. Pedro. Finalmente falo de amor, mas... Ela fala dos meus cavalos...

O meu nome é ZANGRA. Já fui um velho, velho general... Deixei o forte de Belonzio que domina a planície... E agora, o inimigo está lá, e eu jamais serei HERÓI!



Em 1976 VALERIO ZURLINI realizou um filme baseado no livro de Buzzati IL DESERTO DEI TARTARI e tinha nos papeis principais: Vittorio Gassman, Giuliano Gemma, Helmut Griem, Philippe Noiret, Jacques Perrin, Francisco Rabal, Fernando Rey, Laurent Terzieff, Jean-Louis Trintignant, Max von Sydow.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

CES GENS-LÁ

Na canção CES GENS-LÁ tudo é sombrio e frio (até a sopa). Excepto Frida, a rapariga jovem, que é bela como um sol e que ama a vida. Mas toda a família se opõe à intromissão do amor no seu seio… Repare-se na orquestração que acentua a gravidade e a rigidez desta família… e da situação criada por um intruso.

ESSA GENTE
Em primeiro lugar está o mais velho, aquele que parece um melão, que tem um nariz grande, aquele que já nem o seu nome sabe... Ó homem, o que ele bebe… E o que ele bebeu, de tal modo que não faz nada com aqueles dez dedos... Mas ele, que já não pode com ele, que está completamente despachado, e que se toma pelo rei... que todas as noites se encharca em carrascão mas, mas que na manhã seguinte, lá está na igreja adormecida, teso que nem um barrote, branco como um círio de Páscoa. Depois balbucia com um olhar vago...
É preciso dizer, meus senhores, que em casa desta gente não se pensa, meus senhores, não se pensa... Reza-se...

E depois há o outro... Aquele que tem cenouras nos cabelos e que jamais viu um pente... Aquele que é mau como a sarna, mesmo que dê a camisa a um pobre. Aquele que casou com a Denise, uma rapariga da cidade, quer dizer, de uma outra cidade, e que ainda não está xexé... Tem os seus pequenos negócios... Tem um chapelinho, tem um casaquinho, tem o seu carrinho... Gosta muito de dar ares, mas não tem ar de coisa nenhuma... Não se pode brincar aos ricos quando não se tem um tostão na algibeira...
É preciso dizer, meus senhores, que em casa desta gente não se vive, meus senhores, não se vive... Intruja-se...

E depois, há os outros... A mãe que não diz nada, e mesmo que diga não importa... Sempre presente, debaixo da sua cara de apóstolo, fechado na sua moldura de madeira, está o bigode do pai que morreu de uma escorregadela. Agora observa o seu rebanho a empanturrar-se de sopa fria e a fazer grandes chhhhhluuup... a fazer grandes chhhhhhluuuup...
E também está lá aquela muito velhinha, que não pára de estremecer, e todos esperam que rebente visto que é ela que tem uns patacos... Mas ninguém liga nenhuma ao que aquelas pobres mãos contam...
É preciso dizer, meus senhores, que em casa desta gente, não se conversa, meus senhores, não se conversa... Fazem-se contas...

E depois, e depois há a Frida, que é bela como o sol, e que me ama tanto como eu a amo a ela... Dizemos muitas vezes que havemos de ter uma casa com montes de janelas, e quase sem paredes, e que havemos de lá viver... Será tão bom lá viver... Bem, se isto não é certo, pelo menos, é quase certo. Porque os outros não querem, os outros não querem... Os outros dizem que ela é demasiado linda para mim e que eu só sirvo para esfolar gatos... Eu nunca matei gatos, ou então, se foi, foi há muito tempo, ou então já me esqueci, ou eles cheiravam mal... Enfim, eles não querem... Estão contra.
Às vezes, quando nos encontramos, fingindo que é por acaso, com os olhos molhados ela diz que partirá, e que me seguirá... Então, por um instante, por um instante somente, eu acredito nela, meus senhores, por um instante, um instante somente...
Porque de casa desta gente, meus senhores, ninguém sai, ninguém sai...
Mas está a fazer-se tarde, senhores, são horas de eu regressar a minha casa...


domingo, 13 de setembro de 2009

LES VIEUX

Jacques Brel canta os velhos e a velhice com palavras ternas e ao mesmo tempo cruéis. Ternas sem comiseração, cruéis sem raiva. Na canção Les vieux, ele usa um truque literário para transmitir ao ouvinte toda a solidão e lentidão da velhice.
O texto é composto por versos de 18 sílabas. A orquestração acentua esta cadência lenta. A melodia e a entoação da voz completam o quadro da velhice que se arrasta para a morte… A nossa velhice que se arrasta para a morte.
Les vieux é de 1963.

Os velhos já não falam... Quando muito, às vezes, falam com olhares. Mesmo ricos, eles são pobres... Já não têm ilusões e só lhes resta um coração para dois. As suas casas cheiram a tomilho, cheiram a limpeza, cheiram a alfazema e a palavras antigas. Quando se vive muito tempo, viver em Paris, é como viver na província...
Talvez porque tenham rido muito, as suas vozes enrugam-se quando falam do passado... Talvez porque tenham chorado demasiado, as lágrimas se tornam pérolas nas pálpebras... E se tremem mais um pouco, é só porque vêem envelhecer o relógio de parede, que ronrona no salão, e que diz sim, e que diz não, e que diz “Estou à vossa espera”!

Os velhos já não sonham... Os seus livros adormeceram, os pianos estão fechados, o gatinho já morreu, o moscatel do Domingo já não os faz cantar... Os velhos já não se mexem... Os seus gestos têm demasiadas rugas e o seu mundo é muito pequeno, vai do leito à janela, depois do leito ao sofá, e depois do leito ao leito... E se ainda saem à rua, vão muito austeros de braço dado, debaixo do sol, ao enterro de um que era mais velho, ao enterro de uma que era mais decrépita... E enquanto dura um soluço, esquecem por uma hora o relógio de parede que ronrona no salão, e que diz sim, e que diz não, e por eles vai esperando...

Os velhos não morrem... Um dia adormecem e ficam-se a dormir por demasiado tempo... Dão a mão um ao outro porque têm medo de se perder, e portanto, perdem-se. E o outro que resta, para ali fica... Seja o melhor ou o pior, seja o meigo ou o severo, pouco importa, porque encontra-se no inferno... Vamos vê-lo talvez, vamos encontrá-la por vezes, à chuva e ao desgosto, atravessando o presente, e desculpando-se de já não poder estar mais adiante, e fugir à vossa frente, uma última vez do relógio de parede que ronrona no salão, que diz sim, e que diz não, e que lhe diz: “Estou à tua espera”...
O relógio de parede que ronrona no salão e que diz sim… E que diz não... E QUE ESTÁ À NOSSA ESPERA.


quinta-feira, 10 de setembro de 2009

LES BONBONS

Mais uma canção de Jacques Brel em que há um diálogo entre um anti-herói de Brel e uma interlocutora e que se reduz a uma voz, isto é, a um monólogo. Nós percebemos que ela está presente. Adivinhamos as suas reacções. Pelas palavras dele, revela-se o silêncio dela, o que dá um ar mais cómico/dramático a toda a encenação. Ao vivo, Brel cantava esta canção Les Bonbons como só ele poderia cantar. Absolutamente irresistível.
Les bonbons é de 1964


Eu trouxe-lhe uns bombons porque as flores são tão perecíveis, quero dizer, os bombons também são bons, mas... As flores têm outra apresentação.
Sobretudo, quando elas estão em botão... Mas, eu trouxe-lhe uns bombons...
Espero que possamos dar um passeio e que a senhora sua mãe não diga nada... Iremos ver passar os comboios e às oito horas estaremos de volta. Mas que belo Domingo para a época... Eu trouxe-lhe uns bombons...
Se você soubesse como eu estou orgulhoso de a ver aqui de braço dado comigo... As pessoas olham de lado e até há quem ria atrás de mim... Este mundo está cheio de descarados... Eu trouxe-lhe uns bombons...
AH, Sim! A Germana é menos bem que você, a Germana é menos bonita... É verdade que a Germana tem o cabelo arruçado e é verdade que a Germana é uma peste. Você tem toda a razão... Eu trouxe-lhe uns bombons...
E cá estamos no parque... No coreto tocam Mozart... Mas, diga-me, por acaso aquele, além, não é o seu amigo Leôncio?... Se você quiser eu dou-lhe o meu lugar... Eu trazia aqui uns bombons...
Ohhh... Bom dia menina Germana...Eu trouxe-lhe uns bombons porque as flores são tão perecíveis, quero dizer, os bombons são também bons, mas as flores têm outra apresentação. Sobretudo quando elas estão em botão... Mas, eu trouxe-lhe uns bombons...